Tenho observado uma verdadeira tsunami de peças publicitárias com letras fortes, pesadas, e com grandes serifas grossas e quadradas. Desde os cartazes da campanha da Dilma Rousseff até as chamadas para o programa “Afinal, o que querem as mulheres?”, coloridas ou não, os caracteres egípcios ou egipcianos (como querem alguns autores), voltaram à tona, numa clara demonstração de que, também na tipografia, a moda é cíclica.
Em meados do século XVIII iniciou-se a Revolução Industrial na Inglaterra e com ela uma nova necessidade: a de comunicar e exibir ao público o lançamento e a existência de produtos que agora eram fabricados em grandes quantidades e a preços muito menores que os artesanais. Com certeza, podemos dizer que nesse momento surgiu a arte publicitária.
À medida que os impressos ampliavam os seus horizontes de atuação saindo do mundo dos livros, novas faces tipográficas, mais adequadas ao propósito, se fizeram necessárias. As letras clássicas, finas e elegantes, com suas delicadas serifas e terminais arredondados, as
transicionais, com suas serifas mais pesadas e curtas e médio contraste no traçado das hastes e as modernas, com suas serifas em traço fino e perpendicular às hastes, sem junção em curva, e maior contraste entre as hastes verticais e horizontais, já se tornavam inviáveis n
a aplicação dos novos meios de comunicação.
Aos cartazes e displays devemos o surgimento, no início do século XIX, de dois novos estilos tipográficos. De um lado desenvolveram-se as grotescas ou sem-serifa (sans-serif), que viriam a determinar os rumos tipográficos do século XX. Akzidens Grotesk, Futura, e Univers são grandes exemplos desse estilo tipográfico. Tipos fortes, robustos, impessoais, mas com grande variedade de pesos e tamanhos, aplicáveis a qualquer natureza de trabalho impresso.
O segundo estilo é um pouco mais ornamental, mais fantasia, alguns de extrema qualidade artística, bom gosto e beleza; outros de gosto bem duvidoso. Provavelmente baseado nas tabuletas das antigas estalagens e tabernas inglesas, pintadas à mão, com todos os traços reforçados, inclusive as serifas, para serem vistas à distância, o tipógrafo britânico Robert Thorne (1754-1820), gravada por Vincent Figgins, lançou o primeiro tipo chamado “egípcio” – tipos novos, a maior parte deles mais estreitos e altos do que largos, com uma generosa serifa grossa e quadrada, com a mesma espessura das hastes. Posteriormente passou-se a usar o nome de serifa Slab.
Thorne fundou, em 1
794, a Fann Street Foundry, que mais tarde foi comprada por William Throrowgoo
d, em 1829, e depois por Robert Besley, em 1849, quando passou a chamar-se Reed
& Fox, até seu encerramento em 1906. Robert Besley (1794-1876), tipógrafo e Lord Mayor de Londres, lançou em 1845 a sua obra-prima, a Clarendon, uma fonte egípcia ou Slab, com junção em curva que e largamente usada até hoje. Todas as matrizes e direitos passaram para as mãos da Stephenson Blake Foundry, que em 1938 lançou a Playbill, um refinamento da Egyptian.
Por que o nome Egípcio? Muito simples. O grande must do momento, motivo de todo o frenesi da época, eram as incursãos napoleônicas no Egito, e as grandes descobertas que suas equipes científicas fizeram durante as suas pesquisas. Uma verdadeira revolução na história, quando Champollion conseguiu intepretar a Pedra da Rosetta, desvendando os mistérios do antigo Egito dos Faraós. Mas foi nos Estados Unidos que as fontes Slab ganharam o status de best-seller. O mundo da propaganda. O charme e o glamour dos cartazes e displays. No mais limitados ao uso de punções para a gravação e de metais para a fundição de caracteres, os diseigners americanos especializados em grandes tamanhos passaram a cortar letras em madeira, a maior parte deles baseados nos antigos cartazes do "The Greatest Show on Earth", o Circo P. T. Barnum & Bailey, o mais famoso circo já existente. A fonte chamada Barnum serviu de inspiração para diversas outras e é o maior exemplo de uma longa série de fontes Slab do século XIX. Porém a grande explosão do emprego destas faces tipográficas foi no início do século XX. Grandes cartazes de teatro e cinema cujos temas remetiam à era de glória do Velho Oeste e ao mundo do circo fram os grandes clientes deste estilo de fonte.
A Memphis, de Emil Rodolf Weiss, lançada em 1929 pela Stempel Foundry, marcou o renascimento das serifas grossas no século XX. Outro exemplo magistral é a Joanna, lnaçada em 1930 pelo não menos famoso Eric Gill, da Monotype. Em 1931, pela Berthold, George Trump publica a City, retangular, forte e expressiva. Em 1934, Frank Hinman Pierpoint publica a belíssima Rockwell, talvez a mais bonita de todas as egípcias. Heinrich Jost, em 1931, para a Bauer Foundry, na Alemanha, publica a Beton Open. E uma infinidade de variações surgiram. Algumas com as serifas com a mesma espessura do traço vertical, com junção em ângulo reto; outras com serifas inversas, isto é, as seifas mais
grossas que as hastes verticais; outros, ainda, com junção em canto arrendondado e pequena diferença entre as espessuras da serifa e das hastes.
O emprego destas fontes traz resultados muito mais efetivos quando restritos a um número limitado de palavras (três ou quatro, no máximo) e nunca em tamanhos pequenos. Acredito que o tamanho de partida seria o corpo 16. Corpos menores dificultam a leitura, por serem muito pesados. Na segunda metade do século passado aconteceu um novo adormecimento das fontes slab, porém, neste início de século XXI parece que renasceram com força, para alegria de seus adeptos. Divertam-se, mas usem com sabedoria para não cansar.